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GLÂNDULAS SUPRA-RENAIS

André P. Lourenço, J. Soares Fortunato

As glândulas supra-renais são essenciais à vida. A remoção completa do córtex supra-renal é fatal.

Cada glândula supra-renal é composta por duas entidades funcionais distintas:

  • Córtex – zona externa – 80 – 90%, origem na mesoderme, produz hormonas esteróides.
  • Medula – zona interna – 10 a 20%, origem em células neuroectodérmicas, produz catecolaminas.

Situam-se no retroperitoneu, sobre o polo renal superior. São profusamente irrigadas, o sangue chega pelo córtex, penetrando em sinusóides que drenam para veias medulares, sendo a medula exposta a corticosteróides em alta concentração.

Córtex Supra-renal

Três tipos principais de hormonas:

  • glicocorticóides (cortisol e corticosterona) – essenciais à vida pelo papel no metabolismo glicídico e proteico.
  • Mineralocorticóides (aldosterona) – vitais mantendo o equilíbrio iónico do Na+ e K+.
  • Precursores de esteróides sexuais (androgénios e estrogénios) que contribuem para a génese e manutenção dos caracteres sexuais secundários.

A glândula supra-renal apresenta diferenciação cortical à 8ª semana de vida intrauterina, contendo o córtex duas zonas, o neocórtex periférico e o córtex fetal. O primeiro é indiferenciado e inactivo, o segundo, maior (85%) é muito activo, produzindo esteróides durante toda a vida intra-uterina. Após o nascimento, o córtex fetal sofre involução, desaparecendo por completo, por volta dos 3 a 12 meses. Pelo contrário, a zona externa diferencia-se no córtex suprarrenal de 3 camadas, uma glomerulosa, mais externa, muito fina, com pequenas células e múltiplas mitocôndrias alongadas, com cristas lamelares; uma fasciculada, intermédia, de maior dimensão, com células cúbicas (formando cordões) de citoplasma repleto de inclusões lipídicas e mitocôndrias de grandes dimensões e cristas vesiculares; e, finalmente, uma reticular, mais interna, com células interligadas, semelhantes às da zona fasciculada, mas com menor número de inclusões lipídicas.

As zonas fasciculada e reticulada sofrem hiperplasia e hipertrofia, acentuando-se as alterações típicas dos organelos intracelulares, quando estimuladas pelo ACTH (adrenocorticotrofina).

Síntese das Hormonas do Córtex Supra-renal:

Todas as hormonas do córtex supra-renal constituem modificações químicas do núcleo esteróide – colesterol.

Os glicocorticóides com maior potência têm uma cetona na posição 3 e grupos hidroxilo nas posições 11 e 21. Quanto aos mineralocorticóides, os mais potentes têm um carbono oxigenado na posição 18. E no caso dos esteróides sexuais, os androgénios mais potentes não têm a cadeia lateral de C20-21 e têm um carbono oxigenado na posição 17, e os estrogénios apresentam aromatização do anel A.

O colesterol é captado pelas células endócrinas a partir do plasma, por acção de receptores de LDL e endocitose; é esterificado e armazenado em vacúolos citoplasmáticos.

Apesar de existir algum grau de produção celular, a partir da coenzima A, a produção hormonal depende, sobretudo, da acção enzimática sobre o colesterol captado do sangue. Numa situação basal este mecanismo é suficiente para colmatar as necessidades, mas nos estados em que a síntese hormonal é hiperestimulada, o colesterol armazenado é recrutado.

A maior parte dos passos de síntese envolve enzimas do citocromo P450, oxigénases mistas que catalisam hidroxilações e se situam nas membranas do retículo endoplasmático e cristas mitocondriais. O NADPH e NADH, produzidos por oxidação de substratos, são os dadores de hidrogénio.

Glicocorticóides:

Síntese predominante na zona fasciculada (a maior); com uma menor contribuição da zona reticular.

O cortisol é o principal glicocorticóide humano, mas quando a síntese deste é bloqueada e continua a ser produzida corticosterona, esta é suficiente para garantir a actividade glicocorticóide.

São múltiplas as reacções, oscilando os passos entre as mitocôndrias e o retículo endoplasmático e podendo a via seguir diversas sequências. As sequências de reacções enzimáticas normalmente descritas baseiam-se nos produtos intermédios acumulados em situações de deficiência congénita ou bloqueio enzimático.

O passo limitante da velocidade global da esteroidogénese é catalisado pela 20, 22 – desmolase, complexo enzimático intramitocondrial. O último passo é uma 11-hidroxilação, que é muito eficaz no ser humano (95%).

No desenvolvimento da supra-renal as células migram da periferia para o interior da glândula em formação, adquirem actividade 17-hidroxilásica e perdem a 18-hidroxilásica; as que migram mais distalmente perdem também a actividade 11-hidroxilásica. Mesmo assim, na zona fasciculada produzem-as alguns metabolitos 18-hidroxi- do cortisol.

O cortisol não sofre qualquer tipo de armazenamento intracelular (embora, como vimos, possa haver armazenamento do colesterol); se as necessidades forem aumentadas consideravelmente, todo o sistema de síntese tem que ser rapidamente activado.

Androgénios e Estrogénios:

Síntese fundamentalmente na zona reticulada.

São os derivados 17-hidroxilados da D5-pregnenolona (metabolito partilhado com a via de síntese de glicocorticóides) que iniciam a via de síntese. A remoção da cadeia lateral C20-21 é o passo essencial, gerando dehidroepiandrosterona e androstenediona.

Os androgénios principais produzidos na supra-renal são a androstenediona, a dehidroepiandrosterona e o sulfato de dehidroepiandrosterona. Apesar de terem fraca actividade, são convertidos em testosterona (mais activa) nos tecidos periféricos. Na supra-renal são produzidas quantidades residuais de testosterona.

Nas mulheres, a supra-renal é responsável pelo suprimento de 50 a 60% das necessidades androgénicas mas, no homem, o significado biológico desta secreção é mínimo.

A conversão, na supra-renal, de androgénios em estrogénios tem um escasso significado nas mulheres pré-menopáusicas, mas na pós-menopausa, por cessação do funcionamento ovárico, esta acção assume maior relevância.

Quando a síntese do cortisol é bloqueada num ponto distal aos metabolitos comuns com a via de síntese de esteróides sexuais, pode haver acumulação de 17-hidroxipregnenolona e 17-hidroxiprogesterona e maior síntese de androgénios.

Mineralocorticóides:

São sintetizados exclusivamente na zona glomerulosa.

A sequência de reacções que se processam até à síntese de corticosterona é semelhante à dos glicocorticóides, mas, depois, o grupo metilo da posição 18 é convertido num aldeído por uma oxigénase mista do citocromo P450 mitocondrial, formando-se a aldosterona. Esta hormona não é armazenada, sofrendo libertação imediata.

A desoxicorticosterona e a 18-hidroxi-desoxicorticosterona possuem actividade mineralocorticóide, mas são segregadas em quantidades irrelevantes.

Metabolismo dos Adrenocorticosteróides:

Glicocorticóides:

O cortisol circula no plasma ligado maioritariamente a uma a2-globulina, a transcortina, mas 15% liga-se à albumina, e 5 a 10% circula livremente.

A transcortina sofre clivagem por uma enzima leucocitária, o que pode ser responsável, por aumentos localizados do cortisol livre, e da sua actividade, em tecidos inflamados.

A semivida plasmática é de 70 minutos; a fracção plasmática livre sofre filtração renal, mas apenas é responsável por 0,3% da depuração diária.

O cortisol encontra-se em equilíbrio com a cortisona, um análogo com modificação cetónica na posição 11; a interconversão é realizada por uma desidrogénase presente nos tecidos. A actividade da cortisona depende da conversão em cortisol.

A grande maioria do cortisol e cortisona são metabolizados no fígado, os metabolitos reduzidos são conjugados e excretados na urina, como produtos glicuronados.

Desde que as funções hepática e renal estejam normais, a determinação de metabolitos urinários é um bom índice da excreção de cortisol; os 17-hidroxicorticóides correspondem a 50% da excreção diária de cortisol.

Os valores de secreção e excreção são sensivelmente maiores nos homens que nas mulheres; os valores devem ser corrigidos para a massa corporal magra, o que se pode efectuar alternativamente, fazendo normalização para a creatinina urinária.

Mineralocorticóides:

A aldosterona circula no plasma ligada a uma globulina de ligação à aldosterona, à transcortina e à albumina. Comparativamente com o colesterol, é maior a fracção livre, o que se traduz numa semivida menor, de apenas 20 minutos.

Em apenas uma única passagem hepática, 90% da aldosterona sofre depuração. É metabolizada em tetra-hidroaldosterona, que é excretada na urina como um 3-glicuronoconjugado; um metabolito de menor significado é o 18-glicuronoconjugado, mas é este que é vulgarmente doseado na urina.

Androgénios e Estrogénios:

O metabolismo dos androgénios passa pela redução do grupo cetónico da posição 3, a nível hepático, formando-se dois isómeros excretados na urina. Não são metabolitos específicos da supra-renal. O sulfato de deidroepiandrosterona é excretado por completo na urina e é específico da supra-renal.

Estes metabolitos constituem a maior parte da fracção urinária que recebe a designação de 17-cetoesteróides; 2/3 desta fracção urinária (17-cetosteróides) corresponde à actividade supra-renal, quando esta está aumentada é provável que haja anomalia supra-renal, é útil nos casos de crianças e mulheres com virilização, tal como o doseamento do sulfato de deidroepiandrosterona.

Regulação das funções da Zona Fasciculada e Reticulada:

A secreção de cortisol pela zona fasciculada é controlada em exclusivo pelo eixo hipotálamo-hipofisário, através do ACTH. A produção de androgénios suprarrenais para além de ser regulada pelo ACTH, também é regulada por um derivado do gene da pro-opiomelanocortina (POMC), com acção específica na zona reticulada; contudo, sem a presença do ACTH é anulada toda a produção hormonal do córtex supra-renal.

O ACTH liga-se a um receptor membranar, activando a cíclase do adenilato e elevando os níveis de AMPc (o principal 2º mensageiro); os fosfolípidos membranares também são activados, desempenhando um papel secundário.

São activados todos os passos da síntese, incluindo várias enzimas, entre as quais a proteína activadora da esteroidogénese. Esta responde imediatamente hidrolisando ésteres de colesterol armazenados, transferindo o colesterol libertado para o interior das mitocôndrias (por intermédio de uma proteína transportadora), promovendo a ligação do colesterol ao citocromo P450 e activando a desmolase. Posteriormente, uma proteína indutora das hormonas esteróides aumenta a transcrição dos genes de citocromo P450 e do receptor de LDL. O citosqueleto é modificado por forma a aproximar os vacúolos contendo colesterol das mitocôndrias.

A produção basal de cortisol é quase nula e o ACTH produz respostas do tipo tudo-ou-nada no córtex suprarrenal. Os outros esteróides supra-renais têm um comportamento semelhante.

O ACTH também actua como factor trófico, estimulando a produção local de IGF, contribuindo para um aumento do número e tamanho das células endócrinas da supra-renal, e aumentando o seu conteúdo em mitocôndrias.

Os níveis plasmáticos de cortisol e androgénios suprarrenais estão elevados minutos (15 a 30 minutos) após a infusão endovenosa de ACTH (aumento de 2 a 5 vezes) por um período bastante prolongado. Contudo, apenas quando há estimulação crónica pelo ACTH e surge hiperplasia se atinge a capacidade máxima de secreção de cortisol (níveis 20 vezes superiores aos normais).

A administração de glicocorticóides sintéticos suprime a secreção de ACTH por “feedback” negativo.

As oscilações do cortisol, à semelhança do ACTH, evidenciam um pico pouco antes do despertar (com secreção de praticamente metade de cortisol diário total) e um vale precoce após o início do sono

O cortisol é segregado de forma pulsátil, com cerca de 7 a 13 pulsos, ao longo do dia. Os valores hormonais máximos dos picos de produção são mais determinados pela frequência e duração dos impulsos que promovem a produção e não tanto por alterações no fluxo global (quantidade segregada por minuto).

As causas dos picos de produção são variáveis, o pico pós-prandial sugere uma relação com padrões alimentares.

Os níveis plasmáticos de cortisol podem elevar-se com: o stress cirúrgico, a electroconvulsivoterapia, as queimaduras, a ansiedade aguda, as infecções, o exercício físico prolongado e esgotante, a febre, a hipoglicemia e a dor.

A concentração plasmática de cortisol correlaciona-se pouco com a idade, mas correlaciona-se bastante com a redução da massa magra que acompanha o envelhecimento.

A deidroepiandrosterona e a sua forma sulfatada sofrem um aumento considerável durante a adolescência.

O declínio de esteróides supra-renais com o envelhecimento parece correlacionar-se com um maior risco de doença cardiovascular, particularmente no que diz respeito aos androgénios suprarrenais.

Acções dos Glicocorticóides:

O cortisol é essencial à vida. Por muito que se faça terapeuticamente, substituindo as suas funções, a sobrevida humana após adrenalectomia é breve.

O cortisol tem um claro domínio, em relação à corticosterona, na sua acção glicocorticóide, intervindo de forma marcada em quase todos os aspectos do metabolismo com um efeito global catabólico, ou anti-anabólico.

Não obstante, a sua acção é muitas vezes descrita como permissiva porque actua principalmente, permitindo que os processos ocorram e não iniciando-os, por exemplo, amplifica o efeito de outras hormonas em processos que não afecta substancialmente, de forma directa e isoladamente. Por exemplo, em vários passos enzimáticos aumenta os efeitos ou interactua sinergisticamente com a glicagina.

Alguns dos efeitos do cortisol, como a inibição da secreção de ACTH, são rápidos, manifestando-se em poucos minutos; mas a generalidade dos seus efeitos precisa de horas ou dias.

O cortisol, como qualquer esteróide, atravessa as membranas celulares e actua num receptor glicocorticóide, presente no núcleo e citoplasma. Este receptor recebe a designação de receptor de glicocorticóides do tipo II, pertence à superfamília dos receptores de esteróides, retinóides e hormonas tiroideias. Surge em praticamente todos os tecidos, mas a sua concentração varia com o tipo celular e com o grau de diferenciação da célula.

O cortisol combina-se com o receptor de forma não covalente, alterando a sua estrutura; o complexo gerado liga-se ao elemento regulador dos glicocorticóides induzindo ou reprimindo a transcrição génica. A resposta genética é variável de célula para célula.

O receptor de glicocorticóides pode ligar outros esteróides e o elemento regulador dos glicocorticóides pode ligar, de igual modo, complexos hormona-receptor distintos, mas estes não desencadeiam resposta génica.

Os glicocorticóides provocam uma infra-regulação do próprio receptor.

O receptor de mineralocorticóides, recebe, muitas vezes, a designação de receptor do tipo I dos glicocorticóides; a designação justifica-se porque liga glicocorticóides com uma afinidade dez vezes maior que o respectivo receptor do tipo II, contudo, é um receptor de mineralocorticóides e fixa, sobretudo, mineralocorticóides.

Para concentrações basais reduzidas de glicocorticóide o receptor de mineralocorticóides medeia algumas das acções do cortisol.

É natural que outros mecanismos intracelulares sejam afectados pelo cortisol; apesar de não alterar os níveis de AMPc parece haver uma sinergia com este sistema, muitas das suas acções são mimetizadas por elevação dos níveis de AMPc. O cortisol pode alterar os níveis de GMPc e os fosfolipídidos da membrana.

Efeito sobre o Metabolismo:

A acção mais importante é facilitar a conversão das proteínas em glicogénio; o cortisol acentua a degradação e inibe a síntese proteica, mobiliza sobretudo proteínas musculares, disponibilizando aminoácidos para a gliconeogénese. Exceptuando os aminoácidos que participam na neoglicogénese, como a alanina, aumentam os níveis plasmáticos de aminoácidos.

Várias enzimas da gliconeogénese são induzidas, sendo também activados mecanismos de depuração de derivados nitrogenados libertados dos aminoácidos.

Este tipo de resposta, numa intensidade normal, tem benefícios fisiológicos, mas os excessos prolongados de glicocorticóides acabam por depauperar as reservas proteicas corporais, particularmente no músculo, osso e conjuntivo. O efeito é independente do nível de ingestão alimentar, porque os processos de síntese estão inibidos.

Os glicocorticóides são fulcrais para a sobrevivência do ser humano em períodos de jejum e fome; sem eles não seria mobilizada a reserva lipídica e proteica. Contudo, nestes períodos, a sua secreção sofre aumentos muito ligeiros e a exposição a níveis normais consegue mobilizar a reserva aminoacídica.

Um papel semelhante é desempenhado na protecção contra as hipoglicemias associadas à insulina. Se as acções da glicagina e adrenalina são responsáveis primários pela recuperação dos níveis de glicemia, o cortisol, cria grandes reservas de aminoácidos, e, na fase final de recuperação da hipoglicemia, é responsável pela diminuição do consumo de glicose e aumento da sua produção. Adicionalmente, o cortisol também estimula a libertação de glicagina e, quando em concentração considerável, eleva os níveis plasmáticos de glicose, antagonizando as acções da insulina, por oposição de vias intracelulares.

Apesar de ter uma acção lipolítica fraca isoladamente, o cortisol é essencial para que a adrenalina, a hormona de crescimento e peptídeos lipolíticos provoquem uma estimulação máxima da lipólise. Esta acção é complementar à exercida no metabolismo proteico, na resposta ao jejum. Contudo, a acção no metabolismo lipídico é bem mais complexa, porque também aumenta o apetite e a ingestão calórica, é estimulada a lipogénese e a diferenciação de adipócitos em zonas corporais particulares (Adiposidade central, com distribuição da massa gorda pelo abdómen, tronco e face – aspecto Cushingóide – nos hipercortisolismos).

Então, o cortisol é hiperglicemiante e aumenta a resistência à acção da insulina (é diabetogénico), mas os efeitos hiperglicemiantes, lipolíticos e cetogénicos só são manifestos quando a sua secreção está aumentada, por situações de stress marcado e prolongado. Nestas situações, tem também marcadas acções catabólicas com depauperação da massa muscular.

Outros Efeitos:

A acção muscular é ambígua, contribui para o catabolismo e perda muscular, mas, simultaneamente, na ausência da hormona a contractilidade dos músculos esquelético e cardíaco é reduzida.

Este efeito pode dever-se à indução da síntese de mediadores ou receptores como a acetilcolina e os receptores b-adrenérgicos, respectivamente. É exercido de forma constitucional, permanentemente, por concentrações basais de corticóides. O catabolismo e perda musculares verificar-se-ão para níveis mais elevados de corticosteróides.

O cortisol inibe a formação de novas estruturas ósseas, por redução da síntese de colagénio do tipo I ( componente fundamental da matriz óssea ), redução da velocidade de diferenciação de células-osteoprogenitoras em osteoblastos activos, diminuição da absorção de Ca2+ a partir do tracto gastrointestinal (por antagonismo da vitamina D3), e, finalmente, por aumento da velocidade de reabsorção óssea.

No tecido conjuntivo, a inibição da síntese colagénica produz adelgaçamento cutâneo e das paredes vasculares, podendo provocar pequenas hemorragias cutâneas.

No sistema vascular para além das acções supracitadas, é essencial à reactividade arteriolar às catecolaminas e reduz a produção de prostaglandinas, de acção vasodilatadora; no global, ajuda a manter a pressão arterial. Porque diminui a permeabilidade vascular endotelial, evita perdas de volume circulante.

No rim, o cortisol aumenta a taxa de filtração glomerular, por diminuição da resistência pré-glomerular e aumento do fluxo sanguíneo; diminui a secreção da hormona antidiurética e a sua acção nos túbulos renais. O cortisol é necessário para a formação de amónia a partir do glutamato nas situações de acidose e aumenta a excreção de fosfatos, por diminuição da sua reabsorção nos túbulos proximais.

No SNC há múltiplos receptores, quer do tipo I quer do tipo II; o cortisol altera os padrões do sono. Em geral, os glicocorticóides atenuam a aquidade dos sentidos, olfativo, gustativo, auditivo e visual; contudo, melhoram a capacidade integrativa e geradora de respostas apropriadas. Em excesso, o cortisol pode provocar insónias e elevar ou deprimir, marcadamente, o humor; baixa também o limiar para a ocorrência de convulsões.

No feto, o cortisol favorece a maturação do SNC, retina, pele, tracto gastrointestinal e pulmões. O cortisol auxilia a diferençiação da mucosa intestinal do fenótipo fetal para o fenótipo adulto, o que permite à criança usar dissacarídeos presentes no leite materno. No pulmão passa-se algo semelhante, a velocidade de desenvovimento alveolar e do epitélio respiratório é acentuada pelo cortisol; e, mais importante, nas últimas semanas de gestação os glicocorticóides aumentam a síntese de surfactante (sendo usados para induzir a maturidade pulmonar em RN prematuros).

A acção nas respostas imunitária e inflamatória é complexa; as reacções de vasodilatação endotelial e aprisionamento de leucócitos circulantes (por acção de prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos) são inibidas por indução da lipocortina, uma fosfoproteína que inibe a actividade da fosfolípase A2. Para além deste efeito, os glicocorticóides também são responsáveis por uma estabilização da membrana lisossómica, reduzindo a libertação local de enzimas proteolíticas e hialuronidase.

O cortisol reduz a mobilização de leucócitos circulantes por inibição da produção, e ligação, de moléculas de adesão aos receptores; diminui a actividade fagocitária e bactericida dos neutrófilos, embora aumente a fracção destas células em circulação, por estimulação da sua libertação a partir da medula óssea.

O cortisol diminui o número de linfócitos circulantes, particularmente os T auxiliares, envolvidos na resposta a substâncias estranhas, e diminui, igualmente, a sua função. Toda a imunidade mediada por células está deprimida. O mecanismo de depressão desta resposta é complexo mas inclui uma redução na produção de mediadores intercelulares que activam o sistema imunitário e o bloqueio da progressão no ciclo celular das células envolvidas.

Há uma variação diária na capacidade de reacção imunitária, que é a recíproca da secreção de cortisol, visto que o cortisol deprime a resposta imunitária. Por outro lado, vários produtos imunitários, entre os quais a interleucina-1, estimulam a secreção do ACTH, constituindo um complexo sistema de “feedback” negativo.

A acção anti-inflamatória também inclui a supressão da resposta febril, por diminuição da produção de IL-1 (pirogénio endógeno).

Se a actividade metabólica e anti-inflamatória do cortisol são essenciais para a sobrevivência do doente traumatizado ou infectado, também é verdadeiro que altas doses e administração prolongada aumentam a predisposição à infecção, facilitam a sua disseminação e dificultam a cicatrização.

Acções dos Androgénios Suprarrenais:

Os androgénios suprarrenais, como vimos, têm fraca actividade; a sua actividade biológica depende da conversão em testosterona, nos tecidos periféricos.

Nas mulheres a sua actividade biológica é a manutenção da pilosidade púbica e axilar e estimular a eritropoiese. Nos homens, a testosterona produzida por esta via tem um significado muito reduzido, relativamente à que é produzida a nível testicular.

Regulação da Função da Zona Glomerular:

A função principal da aldosterona é a manutenção do volume de fluído extracelular, por conservação do Na+ corporal; a sua produção depende de aferências renais, estimuladas quando é detectada uma redução no volume de fluído circulante.

Quando há redução do sódio extracelular, como acontece, por exemplo, na restrição dietética de sódio, a diminuição volume plasmático e do fluído extracelular diminui o fluxo e pressão de perfusão renais, o que é detectado pelas células justaglomerulares renais, que segregam, como resposta, renina para a circulação periférica. A renina converte o angiotensinogénio ( a2-globulina plasmática sintetizada no fígado ) em angiotensina I que, depois, é clivada pela enzima de conversão da angiotensina presente em muitos leitos capilares, sendo classicamente destacado como mais importante o pulmonar, originando a angiotensina II.

A angiotensina II fixa-se a receptores membranares específicos a nível da supra-renal, produzindo segundos mensageiros como o Ca2+ e derivados do fosfatilinositol; a activação da cínase C altera a expressão enzimática favorecendo passos da síntese de aldosterona.

Alterações mínimas no sistema angiotensina plasmático são suficientes para desencadear respostas máximas de produção de aldosterona. Após algumas horas-dias as velocidades de secreção de renina e aldosterona podem ser aumentadas consideravelmente, de 4 a 8 vezes no caso de dieta com restrição de sódio, e 2 a 4 vezes, no caso de hemorragias, ortostatismo prolongado ou diurese aguda. Por oposição, na ingestão excessiva de sódio e na retenção de grandes quantidades de volume extracelular a secreção de renina e aldosterona está suprimida. Deste modo, há um sistema de “feedback” negativo resultante da interacção entre a zona glomerular e as células justaglomerulares.

Outros estímulos para a secreção de renina:

  • maior actividade simpática, ex. na hipovolemia, por acção da noradrenalina em receptores b-adrenérgicos renais.
  • Prostaglandinas locais – por isso medicamentos como agentes anti-inflamatórios não-esteróides ( inibidores da ciclo-oxigénase) reduzem a resposta de produção de aldosterona, nas situações de baixo fluxo sanguíneo renal.

Mecanismos de “feedback”:

  • a angiotensina II exerce uma acção local de inibição da libertação de renina, participando num “feedback” negativo.

O ANP (peptídeo auricular natriurético) contraria os efeitos do sistema renina-angiotensina na produção de aldosterona. Quando há expansão do volume plasmático os miócitos auriculares, sensibilizados pela distensão, libertam o ANP que se fixa a receptores específicos na zona glomerulosa, inibindo a síntese e libertação da aldosterona (nestas circunstâncias, os valores de angiotensina são, também, reduzidos, encontrando-se o sistema renina-angiotensina inactivo); por outro lado, o ANP também actua indirectamente, reduzindo a libertação de renina.

O principal condicionante da actividade da aldosterona é, no entanto, o potássio; as relações de “feedback” existentes com o potássio são vitais. A aldosterona é um facilitador biológico da depuração de potássio, sendo a sua secreção aumentada na presença de níveis aumentados de potássio. As elevações do potássio plasmático, ou da sua ingestão na dieta são fortes estímulos para a libertação de aldosterona.

O potássio estimula a libertação de aldosterona por despolarização das células endócrinas da suprarrenal, abrindo canais de Ca2+ dependentes da voltagem. A elevação da concentração de Ca2+ intracelular é responsável pela activação da produção.

O ACTH também se associa, como acontece com o cortisol, à estimulação da produção de aldosterona; contudo, face à acção continuada do ACTH, este efeito sofre uma atenuação e anulação em poucos dias, porque seus efeitos de “feedback” negativo da aldosterona inibem a sua secreção, impondo-se ao estímulo positivo do ACTH. O papel do ACTH parece ser uma estimulação tónica basal, na sua ausência a resposta da zona glomerulosa a outros estímulos está francamente diminuída.

Os estímulos positivos para a secreção de aldosterona ([Na+] reduzida, angiotensina II, [K+] alta e ACTH) estão interrelacionados, cada um deles facilita a acção dos restantes.

Há outros factores de regulação em estudo, entre os quais um outro peptídeo, também derivado da POMC (mas diferente do ACTH), a acetilcolina e a serotonina, todos estimulatórios, e a dopamina, inibitória (reduz os níveis de AMPc, por intermédio de uma proteína G inibitória).

O padrão de secreção diária de aldosterona (circadiana) parece ser independente de qualquer um destes estímulos; é uma propriedade intrínseca da glândula. O pico de secreção ocorre às 8 horas da manhã e o mínimo às 23 horas da noite.

Acções da Aldosterona e restantes Mineralocorticóides

A aldosterona fixa-se ao receptor de mineralocorticóides e altera a transcrição génica; normalmente, é necessária uma latência de uma a duas horas até que se verifiquem os efeitos hormonais.

O rim é o principal alvo. É estimulada a reabsorção activa de sódio a nível tubular, pelas células dos túbulos colectores e túbulos contornados distais, sendo preservado o principal, e vital, catião extracelular; a água sofre reabsorção passiva, acompanhando o Na+, de modo que a expansão do volume extracelular se faz sem alteração da osmolaridade.

Apesar da aldosterona interferir em apenas 3% da capacidade total de reabsorção de Na+, o défice de aldosterona cria um saldo negativo considerável no equilíbrio do Na+.

A acção subcelular faz-se sentir no polo luminal, aumentando o número de canais membranares que permitem passagem de Na+ a favor do gradiente electroquímico, no polo basal, aumentando a ATPase Na+ – K+, que exterioriza Na+ para os capilares, nas mitocôndrias, estimulando as reacções do ciclo de Krebs e aumentando a produção energética e, no citosol, aumentando a actividade da fosfolípase e a síntese de ácidos gordos para formação de membranas biológicas.

Simultaneamente, há excreção activa de potássio para o lúmen tubular renal; a electronegatividade luminal, gerada após a passagem do Na+ para as células tubulares favorece a difusão passiva de K+ para o lúmen. A aldosterona é responsável por um nível mínimo de excreção de K+. A maioria da excreção diária de potássio depende da secreção tubular distal a nível renal, sendo essencial a presença da aldosterona; ao contrário do que acontece com o sódio, o fluxo de potássio não arrasta consigo água e, portanto, a retenção de potássio plasmática não altera a volemia, mas, por isso mesmo, manifesta-se rapidamente como elevação perigosa das concentrações de potássio.

A retenção de Na+ e H2O, na administração continuada de aldosterona, resulta num aumento da pressão sanguínea e volume plasmático.

No entanto, volvidos alguns dias esta retenção cessa, porque se atinge um estado de equilíbrio, porque a hipervolemia aumenta a taxa de filtração glomerular e o ANP (libertado em situação de hipervolemia, inibe a libertação da aldosterona e diminui a sua actividade nos túbulos renais). Apesar do referido, persiste a perda de K+ e de H+ por troca com Na+ reabsorvido, desenvolvendo-se uma alcalose metabólica.

A aldosterona, para além da acção renal, também altera as trocas iónicas noutros órgãos; estimula a reabsorção de sódio no cólon, aumentando a excreção de potássio nas fezes. Acontece algo semelhante na saliva e suor.

A aldosterona também poderá aumentar a pressão arterial por acção vasoconstrictora directa, actuando em receptores de mineralocorticóides, nas células musculares lisas vasculares. Poderá contribuir para o desenvolvimento de fibrose no sistema cardiovascular, em situações patológicas como a insuficiência cardíaca e a doença isquémica do miocárdio.

Apesar do cortisol se associar com elevada afinidade ao receptor de mineralocorticóides a sua actuação é escassa, dados os elevados níveis de enzimas inactivadoras a nível local.

Síndromes Clínicos associados a disfunção Supra-renal

Hipofunção:

A doença de Addison – falência completa do córtex supra-renal, é letal. Normalmente progride lentamente, culminando com insuficiência de todos os corticóides suprarrenais, mas também há casos de falência abrupta, por exemplo, após a remoção cirúrgica das supra-renais.

Pela falta de glicocorticóides desenvolvem-se múltiplos sintomas/sinais: anorexia, mal-estar, astenia e letargia, fraqueza muscular, náuseas e vómitos, dor abdominal, perda ponderal, febre, intolerância a agentes ou situações stressoras, hipoglicemias em jejum, alterações na fórmula leucocitária plasmática.

Pela falta de androgénios suprarrenais há anemia e, nas mulheres, perda da pilosidade púbica e axilar.

A escassa produção de corticóides, por “feedback”, reforça a síntese de ACTH e de todos os derivados do transcrito POMC (incluíndo o MSH), resultando numa estimulação da actividade dos melanócitos e na hiperpigmentação cutânea típica destes doentes.

A deficiência de aldosterona associa-se a poliúria (por natriurese e diurese osmótica), desidratação, hipotensão, hipercalemia e acidose metabólica. Os níveis plasmáticos de renina e angiotensina elevam-se.

Nalguns casos, a insuficiência suprarrenal deve-se a um défice de ACTH (alteração hipotalâmico-pituitária); nesta circunstância, os níveis plasmáticos de aldosterona e potássio estão normais e não há hiperpigmentação, dada a ausência de co-peptídeos do ACTH.

A terapêutica num caso de insuficiência aguda da suprarrenal (crise Addisoniana) passa pela administração de cortisol endovenoso e de soro fisiológico; numa terapêutica de manutenção, para além de glicocorticóides, é necessária a substituição com mineralocorticóides sintéticos.

Embora a causa mais frequente de hipofunção suprarrenal seja primária – destruição do córtex suprarrenal por tuberculose, meningococcémia ou por fenómenos auto-imunes, pode igualmente ter lugar por défice de enzimas da linha esteroidogénica, que, em geral, se associa a anomalias da síntese das hormonas sexuais. Podem também assinalar-se mutações dos receptores de glicocorticóides (N3C1) ou de mineralocorticóides (NR3C2) que se associam ao pseudohipoaldosteronismo.

A insuficiência suprarrenal pode ser secundária – panhipopituitarismo, por falência electiva da produção de ACTH (como sucede nos casos de mutação da convertase que cliva a POMC e a converte em ACTH) ou por mutação do receptor do ACTH (MC2R)

Hiperfunção:

A causa mais frequente é a hiperplasia suprarrenal bilateral subsequente à produção excessiva de ACTH (Sindrome de Cushing).

Os sinais clínicos resultantes da produção excessiva de glicocorticóides são a obesidade, com distribuição predominantemente facial, cervical e troncular; osteoporose; fragilidade capilar, com equimoses fáceis; pele fina (excessiva visualização dos leitos capilares subcutâneos) por perda de tecido conjuntivo; aumento do catabolismo proteico, com atrofia, fragilidade muscular, dificuldades de cicatrização e atrasos de crescimento (nos mais jovens); anomalias no metabolismo glicídico (podendo chegar ao extremo da diabetes); depressão imunitária; insónia, etc.

A produção excessiva de androgénios suprarrenais pode detectar-se, no sexo feminino, por sinais de virilização: irregularidade de ciclos menstruais ou amenorreia, regressão do desenvolvimento mamário, hirsutismo, acne, voz de tom mais grave, hipertrofia clitoridiana, líbido acentuada e aumento da massa muscular.

Pode verificar-se hiperfunção suprarrenal por “activação” aparente do eixo hipotálamo-hipofisário-suprarrenal ou por mutações na proteína Gs como sucede no síndroma de McCune-Albright.

O excesso de mineralocorticóides traduz-se em hipertensão, hipervolémia, hipocalémia, alcalose metabólica e hipernatremia ligeira; os níveis de renina plasmática estarão suprimidos se a produção de aldosterona for autónoma (Síndroma de Conn). Podem igualmente surgir manifestações de hiperaldosteronismo por deficiência da 11-b-hidroxi-esteróide desidrogenase tipo A, que converte a cortisona em cortisol e faz com que esta active os receptores MR reproduzindo o efeito do excesso de aldosterona.

Defeitos nas Vias de Síntese:

Há várias deficiências enzimáticas congénitas nas vias de síntese das hormonas adrenocorticais. Recebem a designação de síndromas adrenogenitais, porque, para além de outras alterações, alteram os padrões de desenvolvimento genital e sexual e de crescimento. Assim, os recém-nascidos do sexo feminino podem apresentar uma clitoromegalia (pseudofalos) dando lugar a casos de ambiguidade sexual. No sexo masculino dá lugar a macrogenitossomia precoce ou pseudopuberdade precoce, uma forma mais comum de síndroma adrenogenital (o emprego de glicocorticóides corrige as alterações morfofuncionais e o défice de cortisol).

Medula supra-renal:

É o local de produção das catecolaminas circulantes, adrenalina e noradrenalina, que intervêm no metabolismo e em todos os sistemas.

A medula supra-renal pode ser encarada como um gânglio simpático especializado, em que os pós-ganglionares são células não neuronais, mas endócrinas, que libertam catecolaminas para a circulação, actuando estas como hormonas.

Está, funcionalmente, em paralelo com o sistema nervoso simpático, é activada em conjunto com este e, actua concertadamente com ele.

A adrenalina é o principal mediador, atinge os órgãos alvo através da circulação e amplifica os efeitos nervosos locais do sistema simpático. No entanto, os efeitos da adrenalina são distintos, em alguns aspectos, dos da noradrenalina e, nalgumas circunstâncias, como a hipoglicemia, a medula supra-renal é activada selectivamente.

A medula supra-renal tem origem em células neuro-ectodérmicas, da crista neural, que migram e invadem o córtex da glândula por volta das sete semanas; estas acabam por se deslocar para a medula, segregando ao longo da gestação e logo após o nascimento.

O tecido medular supra-renal organiza-se em cordões e agregados celulares em íntima relação com as vénulas que drenam o córtex supra-renal. As células recebem a designação de células cromafínicas (porque têm grande afinidade para corantes com crómio). Contêm muitos grânulos com catecolaminas, ATP e nucleotídeos, proteínas, lípidos, b-endorfinas, peptídeos do tipo pro-opiomelanocortina e cromogranina.

Síntese e Armazenamento de Catecolaminas:

A síntese ocorre através de uma sequência de reacções, sendo a primeira, catalisada pela hidroxílase da tirosina, o passo limitante. Após formação de dopamina, esta deve ser captada para o grânulo secretor e, só então, sofre novas transformações; é a b-hidroxílase da dopamina, que existe exclusivamente no grânulo, que catalisa a conversão em noradrenalina.

Apenas 15% da noradrenalina formada é armazenada; o restante difunde-se para o citoplasma, onde sofre metilação. A adrenalina, assim, formada é captada para o grânulo, onde fica armazenada, constituíndo a principal catecolamina da medula suprarrenal. A captação de catecolaminas para o grânulo é um processo activo, tal como o armazenamento, no interior do grânulo – que é feito sob a forma de complexos entre a catecolamina e a cromogranina.

A regulação da síntese é complexa. A noradrenalina inibe, num mecanismo de “feedback” negativo, a conversão de tirosina em DOPA. A estimulação simpática aguda activa a hidroxílase da tirosina, provavelmente porque diminui os níveis de catecolaminas citoplasmáticas mas, também, porque aumenta os níveis enzimáticos, possivelmente por vias dependentes de AMPc.

A acção directa do ACTH auxilia à manutenção de níveis enzimáticos relativamente altos em situações de stress continuado. O cortisol induz, especificamente, a N-metiltransferese, estimulando, selectivamente, a produção de adrenalina. O relacionamento anatómico favorece a acção do cortisol na medula; é libertado pelo córtex na circulação que perfunde directamente a medula.

Metabolismo das Catecolaminas:

Das catecolaminas circulantes, a adrenalina é oriunda quase exclusivamente da supra-renal e a maioria da noradrenalina deriva dos terminais simpáticos e cérebro, tendo escapado à inactivação sináptica.

Ambas têm curtas semividas plasmáticas, da ordem dos 1 a 3 minutos; têm velocidades de remoção da circulação relativamente altas e, quando em concentração aumentada, activam receptores b-adrenérgicos que reforçam a inactivação (endocitose da hormona e respectiva destruição).

A grande maioria da adrenalina é metabolizada na própria célula cromafínica, quando a síntese excede a capacidade de armazenamento.

As catecolaminas circulantes são metabolizadas em múltiplos tecidos, mas, predominantemente, no fígado e rim. Apenas 2 a 3% são excretados na urina sem modificação, (20% na forma de adrenalina e 80% na de noradrenalina); o dobro da quantidade é excretado sob a forma de metabolitos sulfo ou glicuronoconjugados. O metabolismo enzimático principal consiste em reacções de metilação ou desaminação oxidativa. Os derivados metilados surgem na urina em quantidade muito superior à das catecolaminas íntegras, e as formas desaminadas, como o ácido vanilmandélico, são responsáveis pela maior e restante fatia.

Em condições normais, a fracção circulante e a maior parte dos metabolitos correspondem à actividade do sistema nervoso simpático, a actividade da medula supra-renal, em particular, apenas se pode aferir dos níveis de adrenalina na circulação e urina.

Regulação da Secreção da Medula Supra-renal:

A descarga medular supra-renal integra a resposta de “luta-ou-fuga”, de estimulação massiva do SN simpático. A percepção do perigo, ou antecipação deste (ansiedade), o traumatismo, a dor, a hipovolemia por hemorragia ou desidratação, a hipotensão, a anóxia, os extremos de temperatura, a hipoglicemia e o exercício físico intenso levam a uma rápida resposta libertadora de catecolaminas. A resposta inicia-se em níveis superiores, no hipotálamo e tronco cerebral.

A resposta da medula supra-renal tem uma maior latência e um limiar de estimulação mais elevado que a do sistema nervoso simpático. A via activadora final encontra-se no nervo esplâncnico maior, que tem fibras pré-ganglionares colinérgicas. A acção destas é despolarizar a célula endócrina, alterando a permeabilidade ao Ca2+ e Na+; a elevação do Ca2+intracitoplasmático estimula a exocitose de grânulos secretores. Todo o conteúdo do grânulo é exocitado para a circulação, incluindo o ATP, a enzima b-hidroxílase da dopamina, peptídeos opióides e cromograninas.

As concentrações plasmáticas de adrenalina variam consideravelmente com os valores de glicemia; níveis altos de adrenalina são capazes de normalizar a glicemia em situações de hipoglicemia, sendo a medula supra-renal capaz de segregar quantidades de adrenalina suficientes para a manutenção da homeostasia glicídica normal.

A resposta cardiovascular mediada pela adrenalina é, igualmente, suficiente para a manutenção da homeostasia tensional; por exemplo, a elevação da frequência cardíaca e da pressão sistólica quando há mudança postural para o ortostatismo.

Quanto à noradrenalina , as variações nas concentrações plasmáticas não são eficazes no que diz respeito a respostas biológicas; o seu papel não é o de uma hormona, é o de neurotransmissor de acção sináptica ou local.

Acções Catecolaminérgicas:

Há múltiplos subtipos de receptores adrenérgicos. A distinção básica faz-se entre os a e os b. A adrenalina é potente na  sua acção b1 e b2 mas tem baixa potência nos receptores a; a noradrenalina actua marcadamente nos receptores a, consideravelmente nos b1, mas muito pouco nos b2.

Por via de regra, os receptores b estão associados à adenilcíclase e ao AMPc; os a1 associadas ao sistema do fosfatidilinositol bifosfato; e os a2 à proteína G inibitória, diminuindo os níveis de AMPc.

A exposição contínua a agonistas catecolaminérgicos provoca uma infra-regulação dos receptores; a simpaticectomia, pelo contrário, aumenta o número de receptores e aumenta a sensibilidade a catecolaminas. Uma exposição aguda a níveis altos de catecolaminas produz uma des-sensibilização rápida em relação a doses adicionais, por um mecanismo de “feedback” negativo intracelular que tem como passos finais a fosforilação dos receptores por cínases A ou C.

As catecolaminas aumentam a libertação hepática de glicose por estimulação da glicogenólise. Activam a mesma via intracelular que a glicagina, após ligação a receptores b. Encontrando-se a resposta da glicagina intacta, a resposta da adrenalina à hipoglicemia não é necessária, mas, na ausência da primeira, esta torna-se essencial. Também é estimulada a gliconeogénese hepática , por acção em receptores a, e a glicogenólise muscular, aumentando o lactato plasmático, que constitui um substrato adicional para a produção hepática de glicose. A captação de glicose dependente de insulina, pelos tecidos muscular e adiposo é deprimida. Adicionalmente, as catecolaminas estimulam a libertação de glicagina e inibem a de insulina.

A adrenalina activa a lípase dos adipócitos, aumentando o nível de ácidos gordos livres no plasma, aumentando a b-oxidação destes no tecido muscular, adiposo e hepático, e a cetogénese.

Quando libertadas, durante o exercício, as catecolaminas promovem:

–         uso das reservas musculares de glicogénio (activação da fosforílase).

–         Reutilização hepática eficaz de lactato.

–         Fornecimento de ácidos gordos como fonte energética alternativa.

Quando libertadas numa situação de stress as suas acções metabólicas contribuem de forma significativa para a indução de hiperglicemia e cetose (acção diabetogénica).

A adrenalina acelera o metabolismo basal cerca de 7 a 15%, contribuindo para a resposta termogénica na exposição ao frio. Nos recém nascidos de várias espécies a acção termorreguladora é especial, dependendo da acção no tecido adiposo castanho (receptores b3), que parece ser do tipo desacopladora (uncoupler) entre a síntese de ATP e a utilização de O2, aumentando a fracção de energia dissipada sob a forma de calor.

A adrenalina tem acções metabólicas mais marcadas que a noradrenalina. Mas a acção da noradrenalina é reforçada pela organização do sistema simpático. A actividade simpática aumenta nos períodos pós-prandiais e diminui no jejum, a acção homeostática é a adaptação da energia total consumida à disponibilidade, quando há energia em excesso esta é dissipada sob a forma de calor. Pelo contrário, a adrenalina da suprarrenal é mais segregada durante o jejum prolongado, ou apenas 4 a 5 horas após uma refeição, como resposta a reduções de glicemia.

Os efeitos cardiovasculares da adrenalina apoiam as suas acções metabólicas; o débito cardíaco é aumentado (por aumento da frequência cardíaca e contractilidade), a constrição arteriolar ocorre nos leitos renal, esplâncnico e cutâneo, mas não a nível muscular, a tensão arterial sobe muito ligeiramente ou nada (à custa de aumentos da pressão sistólica). O objectivo é preservar o fluxo sanguíneo cerebral e coronário, o que garante o aporte de nutrientes aos órgãos críticos.

Outras reacções, que ocorrem quando o indivíduo se sente ameaçado são a inibição da actividade motora gastrointestinal e genito-urinária; o relaxamento de bronquíolos (que evita a obstrução das vias aéreas durante a expiração e melhora as trocas de gases respiratórios) e a dilatação pupilar, que permite uma melhor visão à distância.

Na exposição ao frio, a constrição de vasos cutâneos conserva calor e reforça a acção termogénica da noradrenalina.

A acção cardiovascular catecolaminérgica é protectora do indivíduo traumatizado, hipóxico ou em insuficiência cardiovascular; contudo, a produção prolongada de catecolaminas acaba por se tornar prejudicial. A vasoconstricção renal leva a redução da filtração glomerular e da natriurese, a redução de fluxo aos leitos capilares esplâncnicos leva a insuficiência hepática, paralisia intestinal e necrose; a redução de fluxo generalizada acentua a produção de lactato, o que pode conduzir a acidose metabólica.

As catecolaminas estimulam a libertação de renina, por acção em receptores b renais, o que leva, por acção da aldosterona, a retenção de Na+; uma acção que reforça os efeitos locais das catecolaminas a nível renal, particularmente na distribuição do fluxo sanguíneo e função tubular.

A acção b2 a nível muscular, estimula a captação de K+ pelas células musculares, evitando a hipercalemia em situações como o exercício físico extenuante.

As interrelações entre hormonas tiroideias e catecolaminas são significativas. As catecolaminas estimulam a libertação de hormonas tiroideias e a conversão de T4 em T3, a nível periférico. Em doentes hipertiroideus exacerbam a taquicardia e palpitações; o nervosismo e a hipertensão. Os mecanismos de acção que levam à sensibilização aos efeitos das catecolaminas por parte das hormonas tiroideias são complexos, mas envolvem, por exemplo um aumento do número de receptores adrenérgicos.

A adrenalina induz a libertação de muitas hormonas: a hormona paratiroideia, a calcitonina, a hormona de crescimento e a gastrina.

Feocromocitoma

As patologias mais frequentes da suprarrenal são o feocromocitoma, geralmente benigno, e o neuroblastoma, maligno.

O feocromocitoma é um tumor originado nas células cromafins caracterizado por hipertensão (ou crises hipertensivas), cefaleias, crises de ansiedade, hipersudorese e taquicardia. O diagnóstico diferencial de outras causas de hipertensão faz-se mediante o doseamento no sangue ou na urina das catecolaminas ou seus metabolitos (metanefrinas e ácido vanilil-mandélico).

O tratamento é cirúrgico, devendo usar-se um bloqueador a-adrenérgico (fentolamina) para evitar eventuais crises hipertensivas, resultantes da libertação de catecolaminas, quando se manipula o tumor.

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